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Olhei para um fino espelho de prata e só vi minha imagem, olhei por uma tosca janela e vi o mundo.

Textos


A PRISÃO DE PAI FRANCISCO

Crônica

Por

Roberto Leon Ponczek

 

Passei muitos anos da minha infância cantando, dançando e tentando entender porque o Pai Francisco foi pra prisão: 

“Pai Francisco entrou na roda

Tocando seu violão

Pararão pão pão

Vem de lá seu delegado e Pai Francisco foi pra prisão?

Como ele vem todo requebrando parece um boneco desengonçado ( bis)

 

As dúvidas que me atormentaram por muito tempo podem ser resumidas em duas perguntas:

Por que Pai Francisco foi pra prisão? 

De onde surgiu um delegado que o levou preso?

Durante muitos anos refleti para entender esse drama brasileiro, transformado numa das mais divertidas e cantadas cantigas infantis de nosso país.

A resposta veio como numa súbita epifania esclarecedora.

Pai Francisco seria um sambista que dançava e tocava violão num samba de roda nos confins da Bahia. Teria sido preso por dois atos considerados delituosos na época em que a canção foi criada.

Entrou na roda tocando seu violão. Ora, violão era considerado no Brasil um instrumento de vagabundos ou malandros e só foi efetivado à condição de instrumento musical de valor, depois que compositores espanhóis, e nosso grande Villa-Lobos, compuseram geniais peças clássicas para o instrumento, até então defenestrado. Portanto, Pai Francisco seria um desqualificado vagabundo baiano ou carioca.

Logo em seguida ele se atreve a entrar na roda de samba requebrando como um boneco desengonçado. Ora, requebrar naqueles tempos era um gesto de homens de masculinidade duvidosa, provavelmente homossexuais - ou de mulheres de má fama. Na época, a homossexualidade era considerada um sério transtorno, denominado de pederastia. Portanto o requebrado, tão característico de nossas danças, era estigmatizado e até passível de punição. 

Pai Francisco provavelmente era negro - e  possivelmente até um Pai de Santo - como a maioria dos sambistas importantes, e num país ainda estigmatizado pela escravatura, e dominado por preconceitos de raça, e repressão às religiões de matriz africana, ser negro é uma condição de nítida inferioridade estampada na pele e nas crenças religiosas.

Finalmente de onde surgiu um delegado que o levou prontamente para a prisão?

Essa é mais fácil de responder. Pai Francisco foi denunciado, pelos carolas que de longe assistiam indignados os  que brincavam na roda, como sendo um negro, vagabundo, sambista e Pai de Santo, com um violão em punho, dando mau exemplo aos jovens.

Foi preso em flagrante delito e ninguém até hoje sabe dizer ao certo qual foi seu destino. Enquanto a sua cantiga continua fazendo a alegria de milhões de crianças brasileiras de várias gerações, o protagonista foi  provavelmente trancafiado em alguma escura e úmida masmorra colonial, onde padeceu até o final de seus dias.

 

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Roberto Leon Ponczek
Enviado por Roberto Leon Ponczek em 16/03/2025
Alterado em 17/03/2025


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